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Playtest: Narração e Autoria Colaborativa

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Neste último Underground fizemos o segundo playtest do jogo que, por falta de um nome melhor, tenho chamado de narração e autoria colaborativa (NAC, a partir de agora). Vou usar esse artigo para falar menos sobre o jogo e mais sobre o processo de playtest e design.

Basicamente o NAC é um jogo de contar histórias, não um RPG. Ele tem muito em comum com eles e seu design foi baseado em muitos elementos e técnicas de RPGs, mas a interpretação de papéis é totalmente desnecessária no NAC. Ele ainda está em fase de design, mas saiu da fase inicial onde o designer de jogos se tranca na sua torre e, solitariamente, pensa bastante e cria um jogo a partir do éter, e foi para a fase de playtesting, onde o designer de jogos descobre que pensar bastante no jogo não serve como substituto para jogar de verdade.

Como funciona o NAC? Existem duas fases distintas no jogo:
1. a de criação do cenário e ambientação da história, que vou chamar de fase de criação, e
2. a de criar e contar a história, que vou chamar de fase de narração.
Ele é um jogo sem mestre, onde todos os jogadores tem autoridades e responsabilidades iguais no jogo. Cada uma das fases tem suas próprias regras, mas é pouca coisa. Sem exemplos as regras cabem numa folha de papel A4 em fonte tamanho 10 (isso é meio mentiroso, falo mais sobre isso abaixo). Isso é tudo que preciso falar sobre o NAC (espero) para que entendam o playtest.

O principal objetivo de um playtest (no meu ponto de vista) é encontrar os pontos fracos e falhos das regras do jogo. Para isso o designer precisa saber o que ele espera que aconteça no jogo, o que ele espera que não aconteça e como as regras incentivam o desejado e inibam o indesejável.

Vamos ao que aconteceu nas mesas de jogo.

O primeiro playtest foi no dia seis de fevereiro. Os participantes foram: Daniel (eu), Fábio, Gabriela e Itiro. Eu inicialmente expliquei como deveria funcionar o jogo, sobre a fase de criação e narração e fiz a primeira contribuição ao cenário (no NAC os jogadores contribuem para elementos do cenário na fase de criação). A fase de criação começou meio devagar mas depois fluiu melhor, nos primeiros turnos os jogadores tiveram algumas indecisões e bloqueios criativos mas isso se corrigiu rapidamente e em pouco mais de dez minutos já tinhamos o cenário inteiro criado. Em seguida o Fábio começou a contar a história e o jogo fluiu sem muitos impasses. Depois de uns quarenta minutos concluímos a história, a cena final foi péssima (eu narrei) e o jogo acabou. Apesar disso tudo a história foi muito divertida, com vários momentos da narração gerando cenas bem interessantes que prenderam a atenção de todos jogadores. Detalhe, por causa da maneira como a fase de criação se desenrolou eu acabei tendo muito pouca participação na narração da história (as minhas contribuições para o cenário não foram consideradas muito interessantes) e, ainda assim, fiquei empolgado porque as contribuições dos outros que eu considerei interessantes ocuparam bastante tempo de jogo e as narrações que eles fizeram foram ótimas.

O que aprendi com o playtest? A primeira coisa que vi foi o processo de criação de história. Na semana anterior tinha feito o playtest de outro jogo também com criação colaborativa de história, que não criou um cenário nem perto de ser coerente. Assim eu já sabia que poderia ser um problema no NAC e de fato foi um problema, embora numa escala muito menor (o cenário que criamos no playtest foi razoavelmente coerente), mas mais por boa vontade dos jogadores do que por ajuda das regras (ou seja “apesar de” ao invés de “por causa de”). Na fase de narração as coisas não andaram como eu queria. Embora a história foi contada sem muitos problemas houve muito menos interação entre os jogadores que eu esperava. Após o fim do jogo entre os jogadores imperava a impressão que a construção do cenário era desconexa e que as regras que determinavam quais elementos podiam ser inseridos na história a cada momento eram restritivas demais.

Após o fim do jogo eu fiz as minhas anotações a respeito do que percebi enquanto jogava, das opiniões dos jogadores após e de outros detalhes (como tempo gasto em cada fase). Esse é outro ponto importante do playtest: anotar o que acontece na mesa de jogo, mesmo as menores preocupações que surgirem na sua cabeça, o que os jogadores acham e como eles reagem. Além disso antes de começar o playtest é bom ter uma lista de pontos em aberto sobre o jogo que você quer explorar no playtest e durante ele prestar atenção para ver se aconteceu o que você esperava. Por exemplo o NAC é movido a fichas (cada jogador tem fichas de uma cor e durante a narração essas fichas são trocadas entre eles e durante a criação as fichas são votos) e eu não sabia quantas fichas seriam necessárias para que o jogo funcionasse, portanto eu escolhi o menor número que eu achava possível na criação e o maior possível na narração.

Outro ponto importante do playtest é não resolver os problemas (ou mesmo ficar pensando em soluções) enquanto você joga, pois na mesa só aparecem os sintomas, não as causas. É muito mais fácil corrigir os problemas com todas as informações na mão de uma vez só. Bem eu fiz isso e achei que tinha matado os problemas e me preparei para outro playtest.

O segundo playtest foi nessa quinta. Participaram: Fábio, Gabriela, Itiro, Marcelo e Yuri, dessa vez eu fui apenas o facilitador do jogo (fiquei lá apenas explicando regras e ajudando os jogadores quando eles tinham problemas.

Dessa vez, como estava do lado de fora do jogo eu fiquei já anotando o que acontecia na mesa, foi bem mais produtivo. A fase de criação foi mais longa, além de haver mais jogadores eu dei mais votos a cada um, o que tornou o processo mais lento. A criação do cenário demorou cerca de quarenta minutos e, dessa vez, não fizemos uma parte do cenário e deixamos para ser feita durante o jogo.

A narração começou devagar e se manteve assim durante o jogo todo. A história contada foi bem menos coerente que a do playtest anterior e os jogadores tiveram mais bloqueios criativos e momentos de indecisão. Depois de 1h45m de jogo tivemos que parar e, pelas regras, estavamos na metade da história. Outro detalhe, no meio do jogo o Fábio não pode continuar a jogar e assumi o lugar dele.

A impressão geral que tive do jogo foi que ele foi criou uma história menos empolgante que o primeiro. As correções que eu fiz nas regras tiveram o efeito que eu esperava, um efeito colateral que eu achei que iria acontecer mas não tinha certeza e foi ele que deixou o jogo mais lento, e um efeito colateral que eu não esperava e contribuiu ainda mais para a lentidão do jogo. No NAC os jogadores criam elementos de cenário (e.g. o playtest tinha, entre os elementos, kung-fu, steam punk, Europa, piratas e “o amor é proibido por lei”) que serão usados na narração e as ligações entre os elementos permitem dizer quais elementos podem ser introduzidos numa cena (e.g. se eu estou falando de kung fu e quero colocar os piratas na história é necessário haver uma ligação entre os elementos).

Na fase de criação a quantidade de votos que os jogadores tem limita a quantidade de elementos possíveis, a quantidade de ligações entre eles e os votos em um elemento definem quantas vezes ele pode ser referenciado na história. No primeiro playtest cada jogador tinha quatro votos (porque eu tinha certeza que com menos não funcionaria), foram criados seis elementos de cenário, havia um total de oito ligações entre os seis elementos (alguns eram conectados com três elementos e outros com dois) e o elemento mais votado teve três votos. No segundo playtest cada jogador tinha onze votos (e tinhamos um jogador a mais, ou seja num total de 39 votos a mais que no playtest anterior), foram criados dez elementos de cenário, no fim do jogo havia cerca de trinta ligações entre os dez elementos e o elemento mais votado teve dez votos. O segundo playtest teve um cenário muito maior e mais complexo (o que eu achava que iria acontecer mas não tinha certeza), o que tornava mais difícil fazer a história fluir (mais opções possíveis implica em mais decisões a serem tomadas). O que eu não esperava que acontecesse era o problema das ligações: no primeiro playtest as ligações eram definidas na criação, então durante a narração as suas escolhas já eram fixas e você só precisava decidir o que queria; no segundo playtest as ligações eram feitas durante a narração, o jogador tinha que decidir se o próximo elemento a ser introduzido era algo que já tinha uma ligação ou uma nova ligação (por isso acabamos com tantas ligações a mais, a proporção do primeiro foi de 33% mais ligações que elementos, no segundo 200% a mais).

Outra coisa que foi muito presente no segundo playtest foi a quantidade de confusão que os jogadores tiveram em relação as regras. Eu havia dito que as regras cabiam numa folha A4 e isso é verdade, mas elas são tão diferentes das regras de outros jogos aos quais os jogadores já haviam sido expostos que não foi simples (para eles) seguí-las sem erro. Isso é um problema que ainda não sei se é causado por uma explicação ruim (preciso melhorar a explicação das regras), falta de um guia rápido com as regras para auxiliar os jogadores durante as fases ou por excesso de complexidade nas regras. O lado bom é que como os problemas de regras já foram (espero) resolvidos com os dois playtests agora posso escrever esse material e me preocupar com a usabilidade e acessibilidade do mesmo. Durante a elaboração dos exemplos e guia eu também poderei avaliar se as regras são claras e concisas ou se dependem de muita explicação para serem inteligíveis.

Avaliando os resultados dos dois playtests pude descobrir quais são os “números mágicos” no que se refere a quantidade de elementos, ligações e fichas, o que me ajuda a dimensionar o jogo e fazer ele funcionar a 100%.

Um fato interessante, nos dois playtests (salvo alguns momentos em particular) todos jogadores ficaram engajados com a narração, mesmo quando eles eram apenas audiência. Mesmo com todos os problemas que identifiquei todo mundo se divertiu bastante e nesse aspecto o jogo foi um sucesso.

Num próximo Underground eu devo aborrecer a todos com uma versão revisada do NAC (e espero já ter um nome decente até lá) para mais uma vez descobrir que existem ajustes a serem feitos no jogo.

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Written by Daniel Yokomizo

fevereiro 28, 2009 at 3:37 pm